quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Você sabe o que é amor?



- Você sabe o que é amor? – Ela perguntou enquanto olhavam as primeiras estrelas da noite.
- Como amor de pai e mãe?
- Nããão! Amor por outra pessoa, tipo namorada.
- Acho que sei. Por quê?
- Queria saber se já você amou alguém.
- Eu te amo. Serve? – Ele riu. Era a primeira vez que se declarava para ela.
- Não, não ama. Lembra da nossa regra número um?
- Lembro. Você falou que não podia me apaixonar por ti, não que eu não podia te amar.
Silêncio.
- Defina “amor”. – Ele a desafiou.
- Amor... É gostar do outro de tal forma a querer estar perto, cuidar, proteger, ouvir, gostar das qualidades, dos defeitos, é estar junto nos momentos difíceis, é dividir as alegrias... Acho que aquela parte do casamento “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza” define bem o que é amor. Acho que amor é tudo isso, mas sem esperar nada em troca, sabe? É fazer por gostar e não por querer alguma recompensa no final. E amor é eterno. Mesmo que a pessoa saia da sua vida e vá embora ou, sei lá, morra você ainda vai amá-la. E você nunca vai esquecê-la.
- Sinto tudo isso por ti, exatamente como você falou. Você traduziu meus sentimentos em palavras. Se isso não é amor, sinto muito, mas eu realmente não sei como se chama.

sábado, 3 de novembro de 2012

Dez anos depois

Rezando pra um dia pra você se encontrar e perceber,
Que o que falta em você,
Sou eu...
(Pra você dar o nome - 5 a seco)


Eles se encontraram no supermercado, quinta-feira à noite. Se tivessem combinado, não daria tão certo.
- Uau! Você! - Ele não escondeu a surpresa.
- É, sou eu... - Ela também não escondeu o espanto.
- Nossa, faz quanto tempo desde a última vez que a gente se viu? 
- Sei lá, dez anos? - Ela tentou parecer indiferente, mas sabia exatamente quanto tempo fazia desde a última vez que se viram.
Os dois começaram a andar pelo supermercado, cada um com seu carrinho e com sua lista de compras e prioridades. Começaram pelo corredor de bebidas. Ele pegou caixas de suco e refrigerantes. Ela, água e vinho.
- Então, como tem passado? - Ele tentou ser amigável.
- Bem, tô bem, de verdade. - Ela sorriu, como se isso tornasse sua resposta mais verídica.
- Legal... E ainda trabalhando com Artes? 
- Sim, dou aulas de dança, ajudo no Teatro da Cidade, essas coisas...
Eles continuaram andando lado a lado. Ela realmente queria que ele dissesse que ia pegar arroz do outro lado da loja ou ela queria ter coragem pra ir buscar arroz do outro lado, mas ninguém saiu de perto.
- E você? Trabalhando com música?
- Trabalho com a seleção musical da programação da rádio local. Não é o emprego dos sonhos, mas paga bem. Dá pra sustentar a família.
- Família? 
- É, casei. E temos duas filhas! - Ele estava empolgado e sem graça. Não necessariamente nessa ordem.
- Uau, quem diria... 
- E você? Aposto que muitos pretendentes!
- Não. Agora, na verdade, não. - Ela realmente estava sem graça.
- Ah...
Agora eles estavam no corredor de café, chás, leite e achocolatados. O silêncio enquanto cada um pegava um item servia de desculpa para pensar no que dizer. 
Ela se virou enquanto ele comparava o preço dos achocolatados, pretendia fugir. Dobrou no outro corredor. Respirou fundo. Quis ser discretamente. Procurou alguns itens e colocou no carrinho.
Olhou para frente e lá estava ele.
- Você sempre fugindo.
- E você sempre me encontrando.
- Nem sempre. Queria ter te encontrado antes.
- Pra quê? Pra me convidar pro seu casamento? Ou pro batizado dos seus filhos? - Ela estava furiosa.
- Não! Pra gente conversar, você me deve isso. Não pode fingir que nada aconteceu. Mesmo que se passem dez, vinte, trinta anos! - Ele também estava furioso. 
As poucas pessoas que estavam no local olharam, sem conter o espanto. Ambos respiram fundo. Ficaram calmos. Não precisaram falar nada e seguiram para a lanchonete. Encostaram os carrinhos. Ele buscou dois cafés expressos. O silêncio ainda imperou por mais alguns minutos.
- Então, o que você quer me dizer?
- Eu só não quero que você negue que existiu algo entre nós. A gente era amigo e agora você ignora isso como se...
- Como se o que? Eu gostava de você, você sempre soube disso, mas quem ignorou alguma coisa foi você! Dez anos atrás você me ignorou, ignorou meus sentimentos... E agora quem age como se nada tivesse acontecido é você.
- O que você queria que eu fizesse?
- Que ficasse comigo. Que namorasse, que casasse, que provasse que não daríamos certo juntos! Queria que você percebesse que tínhamos que viver algo, que sou eu quem saberia te fazer feliz!
- Pra estragar a amizade que a gente tinha? É isso o que você queria? Você ia fugir de qualquer jeito...
- Realmente, eu fugi. Eu sai da cidade, morei fora, conheci lugares, pessoas incríveis... Eu fugi de tudo isso pra perceber que, no fim, tudo o que eu sempre quis esteve aqui o tempo todo. E o que é pior: encontrar com tudo o que eu sempre quis no supermercado, numa quinta-feira à noite, e descobrir que tudo o que eu sempre quis está casado com outra e que essa outra leva a vida que eu sempre quis ter. 
- Olha, eu... - Ele não sabia o que dizer.
Ela se levantou, estava com os olhos lacrimejando. Sabia que ia pagar suas compras, chegar atordoada em casa, arrumar as coisas de qualquer jeito, tomar um banho e chorar no chuveiro, deitar e chorar na cama, até adormecer. Como nos tempos em que se conheceram.
- Não precisa dizer nada. A gente não escolhe o nosso destino, nem pode fugir dele. Por mais que a gente fuja, ele sempre encontra a gente. E você não é meu destino.
Ela deu as costas. Puxou o carrinho e foi até o caixa pagar suas compras. Já estava atordoada. Chovia e fazia frio. Ela chegou em casa molhada. A água da chuva se confundia com as lágrimas no rosto. Decidiu que ia fazer diferente. Esquentou um pouco de água e fez um chá. Olhou pela janela e viu a chuva cair. Ela sabia que fez o que precisava ser feito. A cena no supermercado ficou reprisando na sua mente, como um capítulo de filme no modo repeat
"Você não é o meu destino", pensou antes de cair em sono profundo. E esquecer.